Quarta-feira, 2h da manhã, no Largo da Taquara. Cara alterado no ponto de ônibus – onde mais duas pessoas esperam, cada uma em seu próprio mundo – avista homem bêbado vomitando em um canteiro.
– Ih, alá! Bebeu todas! – diz alto, para seus companheiros de ponto, que não o respondem, mas fazem cara de nojo. O bêbado continua vomitando, com metade do corpo curvado e a mão na barriga. Ele usa o uniforme dos técnicos da GVT, empresa cujo presidente não gostaria de saber disso.
Depois de mais duas vomitadas, cada uma menos líquida que a outra, o técnico caminha, meio se arrastando, para o mesmo ponto. Ele é bonito, apesar de lamentável. O outro cara olha pra ele e começa a rir.
– Tá rindo, é?
– Pensei que você ia vomitar o fígado.
– Bebi todas mesmo! Um engradado de cerveja!
– É bom, né?
– Ô! Trabalhei o dia todo, mereço.
– Eu também tava bebendo. Hoje a empresa organiza um jogo de futebol e depois fomos tomar cerveja.
– Se não tiver isso, não dá.
– Não dá.
– Minha mulher que fica uma arara.
– Dormir no sofá uma vez por semana não tem problema, né?
– É isso aí. Já tô acostumado.
– Eu também. – risos.
– Ela me mandou um torpedo perguntando onde eu tava, falei que tava bebendo e ela me mandou uma resposta malcriada. Olha aqui para você ver que não tô mentindo.
– Malcriada mesmo hein! – mais risos.
– Mas que saber de uma coisa? Não tô nem aí.
– Não pode esquentar não.
– Não tô nem aí mesmo. Quem vai sair perdendo? É ela!
– É isso aí mesmo. – o alterado tem essa tendência a concordar com tudo.
– Quer saber por que? Se nos separamos, arrumo outra rapidinho. Agora ela? Não tem homem disponível não. Você não tá ligado na quantidade de viado. Tem muito viado!
– Ô se tem!
– Tem mulher aos montes. Eu mesmo já peguei duas clientes. Elas tão desesperadas.
– Vai uma, vem dezoito.
– Dezoito? Muito mais!
– Só falei por causa do ditado.
– Tá esperando qual ônibus?
– 266, 636.
– Eu também. Demora pra caramba essas merdas. Acho que vou pegar uma Kombi até Cascadura e de lá pego um ônibus. Amanhã tô aqui de novo às 6h. Vou emendar direto.
– Melhor esperar o ônibus que vai direto, cara!
Neste momento, a Kombi chega e o cobrador – porque há um cobrador – pede ao bêbado, que fuma, o isqueiro emprestado. No que ele empresta, se anima a tomar mesmo a Kombi. Achando que o alterado é seu amigo, o cobrador pergunta:
– Você não vai não?
– Tô de RioCard.
– Entra aí. Te dou essa moral hoje.
Bêbado e alterado se vão, estendendo a amizade por mais alguns minutos.