Eufemismo de assalto

Noite de sábado, na Rua São Francisco Xavier, no Maracanã, esperando meu ônibus aparecer no meio daquele engarrafamento. Estou apoiado na fachada de uma casa, afastado das poucas pessoas que estão no ponto. Basicamente a vítima perfeita, percebe o homem que atravessa a rua em minha direção.

– Pode ficar tranquilo que não vou te assaltar.

Eu não tinha pensado nisso.

– Está sentindo esse cheiro?

Inspiro. Sinto. Mau cheiro. Ele aponta para suas axilas. Ai meu Deus.

– Eu moro na rua. Estou com fome. Você pode me ajudar?

Ele tinha um olhar de doidão, que encarava o fundo da minha alma.

– Só te peço cinco reais.

– Okay, vamos a alguma lanchonete, que eu pago.

Estava atrasado, mas ele estava me pedindo comida, né? Quem tem fome tem pressa.

– Pode me dar cinco reais, que eu compro.

– Não. Eu compro.

– Não confia em mim? Está com medo de abrir a carteira na minha frente?

– É questão de segurança, praxe.

Estava mesmo discutindo sobre minha carteira com um pedinte?

– Se eu quisesse te assaltar, você sabe que já tinha te assaltado.

– Vamos naquele bar. – o fiz andar, mudando o foco da ameaça.

– Qual seu nome?

– Leonardo.

Ele me disse o nome dele. Não prestei atenção. Nunca presto. Não sou ligado em nomes.

– Sou do Espírito Santo. Conhece?

– Já fui uma vez.

– Estou aqui há cinco meses, morando na Central do Brasil. Depois só vou te pedir o dinheiro para minha passagem de ônibus.

Ignorei. Ele estava pedindo demais. No bar, escolheu o salgado e o refrigerante que queria, e só me restou abrir a carteira para pagar.

– Não vou pedir muito para não abusar, né?

Ignorei novamente. Eu ajudá-lo não significava que viraríamos amigos. Ele já podia ir embora, aliás. Eu hein. Paguei. Guardei o dinheiro. Olhei para o lado e ele não estava mais lá. Desejo realizado. Leu minha mente. Fiquei feliz.

Quando botei o pé na rua, no entanto, ele reapareceu, me acompanhando de volta ao ponto. Quis gritar “sai de mim!”. Engoli o grito. Fingi não enxergá-lo, na expectativa do meu ônibus chegar e me salvar.

– As pessoas não ajudam a gente, cara. Acham que vamos assaltar. Muito obrigado.

– De nada.

– Só vou te pedir o dinheiro para ir à Central.

– Olha, não tenho mais.

– Eu vi que você tem, cara.

Que desaforo.

– Tenho, mas é contado para mim. Se eu te der, fico sem.

– Cara, eu podia ter levado seu celular. Eu moro na rua. Se você fica mal comigo, posso te ferrar.

Olha o que a gente recebe em troca por querer ser legal.

– Eu já te ajudei!

Ele estava comendo a coxinha enquanto me ameaçava!

– Estou te pedindo mais a passagem…

Eu não ia adotá-lo, definitivamente. Chega.

– Já te ajudei. Não tenho mais. Desculpa.

Eu pedi desculpa?

– Não vai mesmo?

– Não.

– Pô, depois a gente assalta e reclama…

Ignorei.

– Está avisado.

Estou avisado.

Carta do Tio Léo #4: psicóloga, monografia e feedback do livro (ainda há!)

Comecei a visitar uma psicóloga neste mês de abril. Não é de hoje que me interesso por esse… serviço? Sempre acreditei que deveria ser interessante e agregador reservar uma hora semanal para autoanálise – principalmente eu, que já tenho mania de refletir sobre mim mesmo normalmente. Melhor fazer isso com um suporte acadêmico-profissional. Estou adorando.

Se não me engano, já fui a três ou quatro consultas. Geralmente, não planejo o que vou falar nos encontros. Deixo fluir naturalmente – o que também serve para eu fazer minha autoanálise particular. Assim, percebo a ordem de aparecimento dos meus dramas pessoais. Tudo aparece. Sou bem aleatório. Há temas dos quais quero tratar, mas ainda não apareceram. Tem mais a ver com o que está acontecendo no momento, sabe? Acho que cada um adota um procedimento. O meu é esse.

Mudando de assunto, mês que vem tenho que entregar o primeiro capítulo da minha monografia, como combinei com meu orientador. Pergunta quantas páginas já escrevi. Er.. Nenhuma! Pretendo reverter esse quadro nos próximos dias, agora que terminei as leituras necessárias para o embasamento dessa parte. Estou mais animado do que antes. Meu orientador me deu uma luz e um caminho a seguir, que parece que será desafiador. Gosto disso 😉

Falando em desafios, saiu mais uma resenha de “Condenáveis”, escrita pela Niki Weiss, que também é escritora. O texto pode ser lido na íntegra aqui, mas destaco um trecho que gostei muito, no qual ela destaca sua identificação com minha história:

Eu mesma não me sinto no dever de amar um dos meus genitores. Por tanto tempo me condenei pelos meus próprios sentimentos, por tanto tempo tentei torná-los contrários… Por tanto tempo… Uma grande perda de tempo! E foi exatamente isso que o Leonardo me ensinou com sua obra, que mais vale a verdade que está no coração que as aparências fátuas que insistimos em criar apenas para agradar aos “espectadores” da nossa vida.

Já devo ter dito isso antes, mas esse tipo de resposta é o que mais gosto. Quando as pessoas passam a aceitar seus próprios sentimentos por verem que eu aceito os meus, sinto que essa aventura que é o livro valeu a pena. De alguma forma, abrir minha vida ajudou uma galera a lidar melhor com a sua. Isso é muito gratificante, de verdade. Não é algo que almejei, mas foi muito bem-vindo.

Bem, por hoje é só. Não tenho muito a dizer dessa vez.

Obrigado pela atenção,

Beijo :*

[Dica da semana] Não ter conversas íntimas ao celular no ônibus

celular

Ônibus é aquela coisa: ficar trancado com desconhecidos por um período de tempo que varia de acordo com o trajeto e o engarrafamento. É quase um mini “BBB” cotidiano – sem prêmio no fim. Mas, como o programa apresentado por Pedro Bial, andar de transporte coletivo é um jogo de convivência. Não deixar a mochila nas costas; se sentado, oferecer para segurar a bolsa alheia; usar fones de ouvido; não fumar; ceder o lugar para grávidas e idosos; e, o mais difícil, não encoxar ninguém são regras básicas. Mas lá vai outra dica de convivência: não ter conversas extremamente íntimas ao celular. Melhor: não ter conversas EXTREMAMENTE íntimas ao celular FALANDO ALTO.

Eu não estaria tocando neste ponto se não tivesse passado por uma situação inusitada na quinta (25/4), tentando voltar para casa com a minha mãe, em um engarrafamento terrível no Rio Comprido. Estava eu, concentrado no meu humilde Facebook, quando ouço a mulher sentada atrás de mim:

– …casa de swing.

Oi? Fui pego de surpresa.

– Ela sabe que estou há um mês na igreja e fica me chamando para a casa de swing. Isso é amiga?

Olhei para a minha mãe. Segurei o riso provocado pela falta de noção de nossa colega de confinamento.

– Não. Eu o encontro, mas não ficamos mais. Faz um mês. Estou resistindo. Não vou mais à casa de suingue.
A
mulher falava bem alto, então não era como se nós estivéssemos prestando atenção na conversa dela. Acreditem: era quase um convite para participar.

– Eu acho que sei por que ela me chamou para a casa de swing.

Quantas vezes ela vai repetir “casa de swing”? Todo mundo já entendeu.

– Ela está saindo com o cara há um mês, mas eles não fazem nada. É, não rolou ainda. Ele não comparece. É, tô te dizendo…

Eu e minha mãe rimos. A mulher de trás deve ter visto, mas não associou os fatos, porque continuou no mesmo volume.

– Sim, ele a levou para a cada dele, mas mesmo assim não aconteceu. Não acredita? Pergunta a ela.

Estava ficando interessante.

– Eles foram assistir a um filme de terror e ela queria fazer… Como posso te dizer? Ela queria… Ai… com vou falar iss?

Fiquei curioso.

– Ela queria fazer sexo oral nele.

Sim, ela disse sexo oral. Sim, ela escolheu as palavras. Sim, ela ficou envergonhada por falar isso depois de ter alardeado sobre a casa de swing. Não, ela não parou.

– Ela começou a fazer, porque nao estava gostando do filme, mas nem isso rolou. Veio uma cena muito assustadora e o negócio baixou.

Gargalhei. Desconfiei que era pegadinha. Procurei as câmeras. Não achei. Era tudo real.

Gente, não dá, né? Estranhos não precisam participar tão intimamente de suas conversas de conteúdo recomendavelmente privado. Você pode até não se importar e dizer que sua vida é um livro aberto, mas ninguém é obrigado a te escutar. Vamos maneirar.

luane

Tem zumbis no meu bairro – Volume 2

Acordei com os gritos dos zumbis por volta das 4h. Cada vez mais inconvenientes, agora não só evacuam nas calçadas, como gritam de madrugada. Da minha cama, enrolado nas cobertas, pude ouvir claramente o diálogo estabelecido à minha janela. Somado ao barulho da movimentação, montei a cena na minha cabeça, mesmo com sono.

– Você tá maluco? Ele é morador! – gritou um zumbi.

Barulho de empurra-empurra. Passos corridos.

– ‘Deixa ele’ ir! É morador! – gritaram outros, indignados.

Meu vizinho, cujo rosto desconheço, foi embora – pelo que entendi. Os zumbis se dedicaram a dar esporros (aos berros) no traidor, que devia reconhecer seu erro, porque não se manifestou oralmente. Ele conhece as regras – as regras de convivência com os humanos de sua comunidade. Sim, sua.

Ele pode revirar o lixo dos humanos; fazer suas calçadas de vaso sanitário; assustá-los; acordá-los; pedir-lhes dinheiro ou cigarros; mas nunca, em hipótese alguma, assaltá-los. Não os humanos de sua vizinhança. Para roubos e furtos, deve-se dirigir a outros bairros. Quem decidiu assim? O mestre dos zumbis, responsável por sua manutenção. Mas esse zumbi espeficiamente se esqueceu. Sua abstinência não raciocina.

Resenha: Sandy – Vivo Rio – Turnê Sim (a.k.a. ode à Sandy)

Foto: Rafael Prevot

Foto: Rafael Prevot

Sinto-me como a personagem descrita por Sandy na música “Ele/Ela” – aquela que sempre buscava em tudo um porquê, mas com ‘ele’ bastava estar, sentir e viver. Só que, no meu caso, ‘ele’ é ‘ela’ – a própria cantora. Os minutos que precedem cada show dela são muito reflexivos para mim. Costumo me perguntar o que me move tanto e por que não admito perder uma apresentação sua na cidade. Nunca consigo uma resposta satisfatória, mas tudo faz sentido dentro de mim quando ela entra no palco. Com a Sandy, basta estar, sentir e viver. Estranho, né? Mas é assim mesmo. Coisa de fã bobo.

Tinha vários receios com relação ao show de domingo (21/4), no Vivo Rio, por exemplo. Sandy inventou de estrear uma turnê nova, apoiada em um CD que ainda não existe. Conclusão: uma setlist cheia de covers e apenas duas inéditas, o que faz a apresentação lembrar muito a da turnê precedente. Considerei uma proposta caça-níquel e, em uma análise mais racional, mantenho essa opinião. Mas é Sandy – e com ela meu emocional costuma falar mais alto. Conclusão: achei incrível. Que leve meus níqueis!

Sua carreira conversa muito com a minha vida, desde pequeno. Sua música nova – “Ponto Final” – já nasce como um hino para mim, por exemplo. Identifiquei-me desde a primeira vez que a ouvi, em um vídeo gravado por um fã no show do fim de semana anterior, em Vitória. Já vivi aquela letra e acho um máximo poder cantá-la de maneira tão divertida, cheia de boas sacadas.

Quando Sandy canta “Se Deus Me Ouvisse” – em homenagem ao pai – e “Angel”, da Sarah McLachlan, me emociono com sua interpretação. Tanta coisa passa na minha cabeça! Impossível não lembrar do último show de Sandy & Junior ao ouvir “Angel”. Aquilo faz parte da minha história e, por um lado, é um privilégio poder ouvir minha vida cantada por aquela que considero a melhor cantora do mundo (sim, eu considero! me deixa!).

É sempre assim. Ela costuma calar a minha boca com o show. Todas as críticas e condenações ficam para trás. É um prazer ouvi-la e revê-la. E aí viro o personagem de outra música, aquela que diz “escolho você, com todos seus defeitos e esse jeito torto de ser”.

Vídeos que gravei no show:

SETLIST
Aquela dos 30
Sem Jeito
Perdida e Salva
Ela/Ele
Segredo
Se Deus me Ouvisse (cover)
Pés Cansados
Ponto final
Casa (cover)
Bad (cover)
Águas de março (cover)
All Star (cover)
Idaho (cover)
Angel (cover)
Não dá pra não pensar (Sandy & Junior)
A lenda (Sandy & Junior)
Quem Eu Sou
Escolho você
Saudade
Sim

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